domingo, janeiro 15, 2006

(Artigo) Valor temporal de um filme


Foi com a crítica do Ricardo ao Donnie Darko que comecei a pensar neste tema. O filme como uma peça de expressão livre, vive do contexto em que está inserido. Este contexto, quer seja social ou artístico, sofre do mal eterno da mutabilidade. Por outro lado, a experiência que é ver um filme também se altera, pois todos sofremos uma evolução de valores e de critérios. Esta verdade la palice poderá parecer um facto adquirido, mas é de somais importância para entender a ideia de crítica ou de opinião acerca de um filme.

Em conversas que tenho tido recentemente, a conclusão que chegamos é que o cinema mais antigo e que tem um desfasamento de uma década ou mais tem actualmente um valor bem mais apelativo que a mais recente obra de um estúdio norte-americano. Poderá ser dito, que ando a sofrer de um elitismo cultural, ou de um snobismo anti-americano. Contudo, acho que este facto se deve mais ao que hoje em dia é preciso para fazer um filme. As concessões que tanto realizadores como actores ou escritores têm que fazer pela comerciabilidade de um filme, são assustadoras, e apenas um restrito (embora ligeiramente mais alargado de há um punhado de anos para cá) grupo de entidades, tem a liberdade artística para fazer o que realmente quer.
Tirando este aparte, a mais valia que estes "clássicos" têm é a frescura e o já mencionado facto de estarem deslocados do contexto actual.

Um problema que se apresenta é que há cinquenta anos também se faziam filmes maus. Esses hoje têm algum valor apenas porque o tempo passou? A isso não sei responder. Mas não me choca assim tanto ver um filme que tenha sido um flop há umas décadas do que um Dukes of Harzard ou um Deuce Bigalow.
Graças à Cinemateca, tenho tido a oportunidade de ver filmes que hoje em dia fazem rir pela total e completa desadequação dos padrões de qualidade contemporâneos. Casos de estudo, "O Monstro da Lagoa Negra" e o "King Kong" de 1933. Se há géneros cinematográficos que o tempo é duro, são os filmes de terror ou de acção. O macaco Kong é um boneco com a profundidade dramática de um Action Man, e o Monstro da Lagoa Negra não passa de um senhor num fato de plástico muito artificial. E foi óptimo ver estes filmes. Não se levam a sério, tomam-se levemente e por isso são de uma facilidade extrema de se gostar.

Ainda relativamente ao valor temporal de um filme, temos o valor de reposição que um filme tem ou não. Existem histórias que são agradáveis de ser recontadas. Outras, claramente inúteis de o fazer. E outras que pura e simplesmente são uma perca de tempo ouvir outra vez. A minha mãe deve ter visto seguramente umas 50 vezes o Gone With The Wind, e ainda hoje não se importa de o ver novamente. Eu vi mais de 20 vezes o Lost in Translation e se tiver a passar numa televisão ainda paro para ver. Mas estes sofrem do síndrome filme fetiche. A meu ver, o problema de alguns filmes é o de serem feitos para o imediato sucesso. Isto também acontecia há 50 anos, contudo o que mudou foi a noção de imediato. Para agravar esta situação, também contribui a massificação de infomação e o fácil acesso a esta. No final de contas, tornamo-nos mais exigentes e queremos mais do que carros a explodir e mulheres de seios contundentes a pavonearem-se na tela.
Já aconteceu comigo, fazer uma crítica a um filme, dar uma determinada nota, e dias depois ter que a ir mudar. Esta racionalização do cinema pode parecer perjorativa, mas é fruto da dita mutabilidade de gostos.

Esta verborreia toda, não pretende descobrir a pólvora ou ensinar alguém de como se deve encarar o cinema. É apenas uma partilha do que acredito e do que penso. E sendo assim é perfeitamente normal terem opiniões diferentes e opostas à minha. Para isso servem os comentários. Deixem a vossa opinião acerca disto. Gostava de ler mais opiniões desde que claro, sejam fundamentadas.

4 Comments:

Blogger Oliveira said...

Concordo plenamente quando dizes que a apreciação de um filme varia com o tempo, assim como acredito que a opinião que temos sobre um quando o vemos, já excluindo o próprio gosto da pesssoa, é influenciada pelo actual estado de espírito ou idea pré-concebida,. Quantas vezes aguardamos tanto por um filme que quando finalmente o vemos, este se revela aquém das espectativas, ou o contrário, metermos na cabeça a ideia que de que irá ser mau, para depois nos surpreender positivamente. Seja como fôr, é de louvar sítios como a Cinemateca que não deixando de exibir filmes recentes, procura mostrar películas que muitos de nós não tiveram oportunidade de ver, e que gostos à parte, têm o seu valor histórico/cultural e não deixaram de ser contributos importantes para o cinema que temos hoje em dia.

3:22 da tarde  
Blogger Ricardo said...

Gostava de pegar em duas coisas que disseste.

Uma delas é a evolução do valor de um filme ao longo do tempo e aqui parece-me claro que aqueles que mais sofrem são filmes em que parte do seu sucesso à data de estreia se prende com efeitos especiais. Pensemos em The Matrix. The Matrix é, para mim, um filme muito bom mas, não se resumindo a efeitos especiais, é inegável que bullet time e afins tiveram um grande peso no sucesso do filme. Agora imaginemos um miúdo daqui a 10 ou 15 anos, data em que os efeitos especiais estarão para lá da minha capacidade imaginativa actual. Será que poderemos censurar o miúdo por este olhar para The Matrix e o achar um filme relativamente trivial muito longe de uma obra prima?

Outra coisa que referiste foi o ver o filme, avaliá-lo e depois sentir necessidade de alterar essa avaliação. Ontem falámos de quando isso acontece devido a comparações feitas com outros filmes que vais vendo. Acho que ainda mais pertinente é a necessidade de reavaliar um filme porque entre um visionamento e o segundo se passou um período considerável de tempo em que viveste um conjunto de experiências e amadureceste. Pessoalmente, o exemplo mais marcante aconteceu com Eyes Wide Shut - um filme que achei relativamente banal quando vi da primeira vez e que, quatro anos depois, é para mim um dos melhores filmes da sua década.

4:00 da tarde  
Blogger Nuno said...

Epá, tu vais buscar sempre o Matrix de propósito para ver se me picas ou que? Sim, é verdade que vale muito pelos seus efeitos especiais. Não, de forma alguma é esse o seu ponto mais forte. Não é por acaso que até faz parte actual programa de Filosofia do secundário. É dos argumentos mais brilhantes de sempre da história do cinema e acredito que mesmo quando deixar de ser interessante a nível visual (com o tal passar dos tempos) será sempre um filme visto com elevado interesse por todas as gerações de cinéfilos e interessados pela 7ª arte que ainda estão para vir.

5:17 da tarde  
Blogger luis said...

O caso Matrix já foi como nós bem sabemos, tema central de várias discussões nossas. Reconhecendo-lhe mérito ou não (e eu reconheço), a sua ideia não é nova. E isso até é interessante.
Ok, o argumento é original e ninguém duvida disso, mas toda a intriga do controlo etc já foi abordada quer noutros filmes e livros. O sucesso do filme prende-se muito possivelmente ao adequamento desse tema aos dias de hoje. O timming também foi o certo. A cultura cyber-punk estava no seu auge, as gerações mais novas já eram educadas desde sempre com computadores e não vamos deixar de parte o valor imagem. Nas camadas mais velhas não duvido que o principal motivo de interesse seja os efeitos especiais.
Isto tudo para dizer que, foi precisamente o adequamento do tema aos dias de hoje que fez do filme o fenómeno que é e será no futuro. O factor tempo entrou a meu ver novamente em jogo.

5:58 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home