quarta-feira, fevereiro 08, 2006

(Crítica) Ladri de Biciclette



Ladri de Biciclette
de Vittorio de Sica
(1948)

Ladri di Biciclette fala-nos de Antonio Ricci, um homem desempregado que luta pelo sustento da família. O estado providenciou-lhe a oportunidade de um emprego que tem como requerimento a posse de uma bicicleta. Antonio, desgostoso por não ter uma, fala com sua mulher Maria, e ela acaba por arranjar dinheiro suficiente para comprar uma. Antonio apresenta-se ao trabalho e, para azar dos azares, é roubado logo no primeiro dia. O desespero apodera-se do homem honesto e faz com que ele vá a sítios e faça coisas que nunca pensou (ou quis) fazer.

Esta obra de Sica é um retratato fantástico do pós IIª Guerra Mundial italiano. Antes de chegar à própria obra criativa temos uma peça documental fantástica. Vemos desde o problema da recessão até à forma como o estado tentou colmatar a pobreza, passando pelos guetos onde os menos abastados viviam e por detalhes da situação política da época. Temos também detalhes fabulosos, como por exemplo a tradição já na altura, de os domingos serem dias de futebol ou inclusivé, a importância que o cinema tinha, quando Antonio afixa um poster de Rita Hayworth.

O filme, como obra cinematográfica, é inesquecível. Embora se baseie fortemente no pathos da situação, é bem mais do que uma obra sobre o desespero. Fala-nos da condição humana, quando o ego é posto de lado. Antonio não persegue o ladrão porque se sente ofendido no orgulho mas porque precisa do emprego para sustentar a família. Só assim se sustenta o facto de passar um dia inteiro atrás do ladrão de bicicletas para mais tarde no filme se tornar num. Esta transformação de Antonio é, para mim, o clímax do filme. Enquanto que durante grande parte do filme, fica a ideia de que estamos perante um justiceiro por contas próprias, vemos que tal não é verdade. A sua demanda não passa pelo altruísmo mas sim pela necessidade. E esta forma nada condescendente ou padronizada de encarar um roubo foi, para mim, a principal mais valia do filme.

Sica filma como ninguém. Todo o filme tem uma fotografia fantástica, não pela grandiosidade ou pela forma como enche o olho, mas pela "humanidade" com que mostra o mundo. Não há ali decoração excessiva nem dramatização descontextualizada. Baseia-se num argumento muito forte e Sica trata-o com o máximo de respeito.
Nos actores temos alguns que caricaturizam mais do que dramatizam, contudo o destaque vai para o carismático filho de Antonio, Bruno. O jovem Enzo Staiola, embora seja apenas um jovem rapaz, tem uma prestação marcante.

É um filme obrigatório de ser visto.

9/10