terça-feira, novembro 28, 2006

(Crítica) The Departed


"When I was your age they used to say you could become cops or criminals. What I'm saying to you is this... When you're facing a loaded gun, what's the difference? "

Quando se fala de um novo filme de Martin Scorsese está a falar-se, muito provavelmente, de um filme com uma marca de qualidade. Quando se fala de um novo filme de Martin Scorsese que envolve máfia e no qual actuam Leonardo DiCaprio, Matt Damon, Jack Nicholson, Mark Wahlberg, Martin Sheen, Alec Baldwin e mais umas quantas caras conhecidas, então está a falar-se de um filme que facilmente se imagina entre os nomeados para as estatuetas douradas. É isso que acontece com este The Departed mas, na minha opinião, não deveria ser (e muito provavelmente não será) com este filme que se altera a já célebre e revoltante "Three 6 Mafia - 1, Martin Scorsese - 0".



Fazer um remake de um filme soberbo como Infernal Affairs era, primeiramente, desnecessário. Para além de desnecessário, igualar o original seria muitíssimo difícil.
O argumento, um dos pontos fortes do filme original, roda em torno de dois infiltrados (um polícia infiltrado na máfia e um mafioso infiltrado na polícia). Em Infernal Affairs a história fluía com grande ligeireza e de forma sóbria, sendo o seu encanto potenciado por duas personagens principais extremamente sólidas, complexas e cativantes, interpretadas magistralmente por Andy Lau e Tony Leung. Apesar de contracenarem em pouquíssimas cenas, os dois actores demonstraram uma química impressionante e conseguiram transmitir medo e desconfiança de uma forma soberba, contribuindo decisivamente para o magnífico ambiente de agonia e tensão que pautava este filme oriundo de Honk Kong. Igualmente relevante era o sentimento de culpa que dava um sentido a tudo o que se passava na película e conferia ao final uma profundidade raramente observada no panorama cinematográfico ocidental.



Infelizmente, neste remake norte-americano as coisas não correm tão bem. Primeiro temos o problema de excesso de calão e de piadas de cariz sexual que, ao captarem a atenção do espectador, acabam por afastá-lo do que realmente interessa, a história. Para além disso, o argumento adaptado por William Monahan (Kingdom of Heaven) dissipa quase por completo a mensagem principal do filme original, fazendo com que algumas cenas-chave percam muito do seu impacto. Por fim, e aqui talvez resida a falha mais grave do filme, as personagens dificilmente criam uma grande empatia com espectador. [Spoiler] A imagem mais ilustrativa do que acabo de escrever é a cena final: aquilo que no original é uma verdadeira tragédia, neste The Departed vê o seu significado cingido a um amontoado de corpos. [/Spoiler] Além disso, se me permitem, o que é que passou pela cabeça do argumentista para representar o patrão da máfia como um velho pretensiosamente engraçado, com problemas sexuais, rodeado de meia dúzia de gatos pingados? O que é que aconteceu a toda a imponência e frieza do chefe da máfia de Infernal Affairs?! [Spoiler] E o que dizer de duas histórias amorosas com uma psicóloga em que o espectador dificilmente percebe o porquê do casamento, quanto mais o porquê da traição? [/Spoiler]


Quem ler este texto poderá ser levado a pensar que este The Departed é um mau filme. Não se engane, não é verdade. Não vou dar má nota a The Departed porque alguns dos elementos característicos de Martin Scorsese estão cá, alguns dos elementos que fizeram de Infernal Affairs um dos melhores filmes dos ano em que estreou, ainda que muito mal aproveitados, estão cá e as interpretações, ainda que algo desenquadradas com o que seria desejável, têm qualidade. Estas são apenas as palavras desiludidas de um fã confesso de Infernal Affairs face ao trabalho de uma equipa que não soube, de todo, adaptar o material que tinha em mãos. Quem não tiver visto o original até pode gostar bastante mas quem tiver visto Infernal Affairs perceberá certamente o desencanto...

6/10